OPINIÃO: O legado de Jesus e o desafio para a diretoria do Flamengo

Jorge Jesus (D) deixa uma metodologia que Marcos Braz (E) precisará considerar na escolha do novo treinador

Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

*Por Nícolas Wagner

Ao decidir voltar a Portugal para treinar o Benfica, Jorge Jesus deixa um importante legado no Flamengo e, por consequência, no futebol brasileiro. Em pouco mais de um ano no rubro-negro carioca, foram mais títulos (5) do que derrotas (4). Mas além dos troféus, chacoalhou o status quo do futebol brasileiro ao apostar na repetição da escalação e ao introduzir uma maneira de jogar ofensiva, agressiva e vistosa.

Claro que o elenco estrelado do Flamengo, acrescido pelas chegadas de jogadores de nível europeu, facilitou. Mas quantos treinadores conseguiriam, além de gerir esses egos, fazê-los jogar dessa forma, convencendo-os a atuar coletivamente, com marcação pressão e entrega após a perda da bola? Sobram exemplos no futebol brasileiro em que o melhor elenco do país não jogou o melhor futebol, e tampouco encantou como este Flamengo campeão nacional e da Libertadores. Um exemplo recente foi o burocrático, ainda que vencedor, Palmeiras de Felipão.

Assim, é provável que haja uma queda no desempenho do rubro-negro com o novo comandante, mesmo que Jesus não leve consigo Gerson e Bruno Henrique, como ventilou a imprensa portuguesa. O Mister tinha o elenco nas mãos, e os atletas compreendiam plenamente seu modelo de jogo. Isso ficou ainda mais evidente após o relato de Everton Silva, do Boavista, que ao enfrentar o Flamengo ficou espantado até com a comunicação dos adversários, os quais usavam expressões como “pula uma casa” e “entra no 3” – o que indica até um mapeamento de zonas do gramado, passado de Jesus para seus comandados.

O desafio para a direção do Flamengo será encontrar alguém que, se não mantiver, pelo menos não destrua o que Jesus construiu. O debate deve ir além de técnico brasileiro ou técnico estrangeiro, embora seja difícil vislumbrar um treinador daqui com as mesmas características do português. A capacidade de Braz está posta à prova, e é natural haver receio à medida que raros dirigentes do futebol tupiniquim pensam em modelo de jogo ao escolher um treinador. O próprio Mister veio muito mais pelo currículo e grife europeia do que pela ideia de futebol. Mas deu certo.

Os nomes até aqui especulados são interessantes. A informação do colega Mauro Cezar Pereira, no UOL Esporte, é de que Domènec Torrent, ex-auxiliar de Pep Guardiola, seria uma opção, e que, para isso, Marcos Braz estaria disposto a falar com o técnico do Manchester City. Além da equipe inglesa, Torrent também foi auxiliar de Guardiola no Barcelona e no Bayern, e teve recente experiência como técnico no New York FC. Embora seja ofensivo como Jesus, é importante constatar que Torrent, até pela ligação com Pep, é adepto do Jogo de Posição, em que os atletas respeitam mais suas zonas de atuação. Diferentemente do português, cujo Flamengo ficou marcado pela movimentação dos jogadores de frente e aproximação ao redor da bola.

Das possibilidades comentadas, Leonardo Jardim é o mais parecido com o Mister. Não por ser português, mas pela ideia de futebol. Treinador do Monaco semi-finalista da Champions League de 2016/2017, Jardim gosta de utilizar 2 atacantes e monta times extremamente verticais, além de jogar com linha bastante alta. Há algumas diferenças sensíveis em relação a Jesus, como o fato de ser mais rígido no sistema (4-4-2) e optar por uma marcação mais por zona. Mas, em geral, os conceitos são bem parecidos.

Miguel Ángel Ramirez, técnico espanhol de 35 anos do Independiente Del Valle, segue a mesma linha de futebol ofensivo. Ele fez história com a equipe equatoriana ao conquistar a Copa Sul-Americana, que a deu direito a fazer um bom duelo com o próprio Flamengo na Recopa do início deste ano. O que pode dificultar um eventual trabalho do profissional no Rio de Janeiro é o fato de nunca ter treinado grandes elencos. Sua experiência é com jovens, ou de categorias de base ou dali recém egressos, como é o caso de boa parte dos atletas do Del Valle, que é referência na formação de jogadores.

O único nome que destoa bastante de Jorge Jesus é Marco Silva, que surgiu como possível substituto antes mesmo da confirmação da saída do Mister. Inclusive, a única semelhança entre os dois é o fato de serem portugueses, já que Silva, ex-técnico do Everton da Inglaterra, é adepto de um jogo baseado na ligação direta e do uso de três zagueiros.

Resta aguardar qual será a decisão do Flamengo, que seguirá sendo favorito para o Campeonato Brasileiro pela qualidade do elenco. Porém, falando de desempenho dentro de campo, não seria surpreendente uma queda e, quiçá, uma vulnerabilidade para os confrontos de mata-mata. O que só evidenciaria o tamanho da passagem de Jesus por terras brasileiras.

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